Merece Leitura...

"Pertenço a uma família de três irmãos: dois homens, mais velhos, e eu, a caçula e única mulher, o que me tornou inevitavelmente a mimosa do papai. Ganhei tantos colos, muitos puxões de orelha, muitas horas de conversa sobre os bons e maus exemplos da vida, e tive quem me fizesse milhões de pequenas vontades no decorrer da vida.

Seu Eurico Miletto foi para nós um grande pai, tanto no aspecto físico, quanto em seu papel em nossas vidas. Quando éramos crianças, parecia-me que nos braços daquele italianão, meu super-herói, nada seria capaz de atingir-me, um carinho afastava qualquer medo e um olhar encorajava a qualquer coisa.

Pai, no teu abraço comemorei todas as minhas vitórias e no teu colo chorei tantas das minhas pequenas dores. Faz tão poucos meses em que eu te contava uma chateação pela qual havia passado, uma decepção boba, e tu, sempre generoso, não me julgaste, só ficou me olhando chorar e disse: “A vida é assim, minha filha, a gente erra, acerta, se engana, às vezes se perde. E quando a gente erra, a gente pede desculpas, e é assim que se aprende”.

Ai, pai, eu sei, se cresce de muitos modos, também, e muito quando se sofre. Mas se cresce ainda mais ao conviver com exemplos das pessoas que nos rodeiam, como tu.

Sinto-me egoísta ao chorar a perda de um pai idoso, com filhos e netos, enquanto tantos pais perdem seus filhos tão jovens, para a morte, para as drogas ou para um mundo ruim. E enquanto tantos outros crescem sem terem essa referência paterna tão importante.

Pai, obrigada por mostrar-me o mundo, desde aquele que fantasiavas para mim, em que eu era uma bonequinha, para a qual explicaste, em meu primeiro dia de escola, que lá todas as meninas com as quais eu conviveria, não importava cor, jeito ou qualquer coisa, eram princesinhas como eu. E eu acreditei, ninguém era melhor ou pior que ninguém, todos eram especiais, como eu era! De repente foi por isso que fui para a escola e fiquei até hoje.

Obrigada por me ensinar sobre o mundo real, sobre as bondades, maldades e interesses do mundo, sobre a importância do trabalho e das ações honestas, de pagar as contas, saber a cotação do dólar, dos juros e o valor financeiro dos bens e produtos.

Obrigada pelas traíras assadas, que tu mesmo pescavas e preparavas, pelos churrasquinhos de domingo, nos quais ficávamos rindo do teu jeito atrapalhado, de gringo velho turrão. Obrigada por todas as goiabas que colhestes e entregastes fresquinhas na minha mão.

Obrigada, sobretudo, pelos irmãos maravilhosos que me deixaste e pela mãe boa que escolheste para mim (mentira: ela que te escolheu)...

Dizem que a única coisa certa é a morte. Eu não acho. Considero que a única coisa certa é o amor. Amor não se perde, não se dissipa, não obedece lógica nem distância. Amor é para sempre, o resto são circunstâncias, detalhes da vida que de repente perdem a importância. Amor como o dos amigos que nos amparam agora. O grande arquiteto do Universo foi generoso conosco ao nos proporcionar essa criatura para nos mostrar o caminho. Por hora, seguimos em estradas diferentes, mas sei que seguirei firme e forte porque tu me ensinaste e preparaste para caminhar no mundo."

Milene Miletto
Professora

Comentários

Postagens mais visitadas