fechando uma porta.

Desde 2009, quando meus avós faleceram, veio a necessidade de resolver a questão da casa deles.
A casa, não é uma mansão... é uma casinha que meu avô construiu com muita dificuldade, tem um "quarto de banho", uma lareira pequena, 3 quartos, 1 sala, uma cozinha e um galpão... e o corredor. O quarto da frente foi meu na adolescência e dos meus tios, quando meninos- rapazes, foi ali que eu comecei a ter noção de quem eu seria... fiz casa de boneca, li a bíblia durante um carnaval, namorei, transei pela primeira vez... chorei quando tomei o primeiro de muitos pés na bunda... uma época no meu quarto tinha tudo, menos uma cama... rede, sofá... mas cama era bobagem... amamentei o JP ali, chorei abraçada ao João quando descobri que a vida da minha mãe estava por meio fio... muitas vezes sentei com meus avós para conversar na cama... tudo ali, naquele quarto pequeno, mas que era o meu mundo... e eu sentia quando eles diziam: o quarto da liziane, que aquele espaço era meu. A gota d'agua foi quando a minha Brigite, pastor alemão de 47 kg entrou na casa e foi direto para o meu quarto, bicho criado em poa, nunca havia colocado a pata na casa, foi correndo para o "meu" quarto... alguém pode explicar ? não dá, não é?
Bom, a sala...  a sala só funcionava no inverno por conta da lareira e quando meu Dindo estava lá. Lembro dele, lindo, sentado de perna cruzada lendo... e a vó, levando mil docinhos para ele... No inverno a gente acampava na sala e só saia em outubro, lembro de uma cobra saindo da lareira, de dentro de um toco... foi espantoso.
Os Natais... as brigas depois da entrega dos presentes... o pinheiro prata... a chatice da minha vó com o cuidado com o piso.
a campainha e o barulho do portão... a batida do portão que a minha mãe nunca deu...
Tinha também o telefone, que tocava e a gente atendia na sala, acho que a sala era tipo, o quarto do telefone...
A sala de tv era um misto de tricô, cadernos de receita, sala de futebol e o nosso ambiente de brincar... o quarto da vó e do vô era um lugar dedicado ao sono. Meu inclusive, pois, apesar de ter o meu quarto, eu dormi muitos anos entre meus avós...
O corredor que me ensinou tanto. Cansei de dizer baixinho: não tenho medo do escuro e correr para entrar no quarto... até que um dia parei de correr.
Na cozinha, cheia de armários e mil coisinhas, casa de vó... é tudo igual, mil objetos para mil tarefas diferentes. O pote amarelo, cheio de colheres, os vermelhos com papéis para fazer ela lembrar... os potes, as rosquinhas, os pães, a panela do arroz, a carne assada, as tortas, aquelas coisas que sempre estiveram e, pelo menos na minha ´memória, sempre estarão lá.
O poço no pátio... os gatos do sr. Anito, a escada... a limpeza da cuia... a faquinha de cortar laranja, as vozes... a gaiola dos passarinhos, meu Deus... onde guardar tudo?
As pessoas que passaram pela casa, passaram por mim, ou melhor se instalaram em mim. Sou capaz de passar horas escrevendo sobre meu avô, minha avó, minha mãe, meus tios, minhas tias, minhas primas, as empregadas que na grande maioria, alegravam minha vida... os amigos´...
Ok, a boa técnica jurídica me ensinou exatamente o que fazer.
Entrei na casa e fechei a porta e lá ela ficou até hoje... uma época um amigo morou lá... as poucas idas ao RS me convenceram a não fazer nada.
Meus pesadelos foram aumentando, aumentando e percebi que eu jamais teria coragem de tomar alguma atitude e esvaziar a casa...
que direito eu tenho de esvaziar a casa dos meus avós? a casa que me viu nascer... que me abrigou, que me ensinou a entender o significado de lar... como assim??? passar pelo corredor e não ouvir os gritos da vó ou a batida do portão ou não sentir o cheiro da ambrosia no fogão... escovar os dentes e ficar olhando a rua, ou abrir a janela do meu quarto, qual das duas?
como posso "tirar" alguma coisa de lá??? tantos momentos... descobertas... refeições, discussões... como tirar tudo isso de lá???
Não posso.
Por isso não fui capaz de abrir a porta e ao contrario de mim do que sou, fui incapaz de fazer.
obrigada mana, sou grata, serei sempre grata.

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